Resumo |
O desastre-crime da Vale S.A., ocorrido em 25 de janeiro de 2019, em Brumadinho Minas Gerais, causou a morte de 272 pessoas e o extravasamento de cerca de 12 milhões de m de rejeitos das barragens que se romperam na Mina Córrego do Feijão, de propriedade da mineradora. Considerado um dos maiores desastres humanitários, ambientais e socioeconômicos do Brasil e do mundo, afetou diretamente 26 municípios ao longo da Bacia do Rio Paraopeba, incluindo dezenas de Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) atingidos ao longo do território. Tamanho impacto gerou uma efervescência de mobilização social, que ocorreu tanto por meio da auto-organização quanto pela atuação de atores institucionais no território. Em 2021, após uma série de rodadas de negociação entre o Poder Público e a Vale S.A., com mediação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, foi firmado um Acordo Judicial para reparação dos danos difusos e coletivos causados, com medidas e ações em diversas áreas. Diante desse contexto, objetivou-se neste trabalho identificar e analisar os fatores, elementos e práticas que contribuíram (ou não) para que as etapas participativas previstas no Acordo Judicial como ações prévias à execução dos projetos de reparação socioeconômica para os municípios atingidos fossem (ou não) realizadas com respeito aos direitos e especificidades dos PCTs atingidos pelo desastre-crime. O trabalho contou com 10 (dez) entrevistas semiestruturadas com atores-chave do processo, incluindo representantes dos PCTs, dos Compromitentes, das Assessorias Técnicas Independentes e da Vale S.A., além de observação participante, levantamento documental e bibliográfico robustos. Como principais resultados, foi possível verificar que o primeiro processo consultivo formulado a Consulta Popular para a população em geral , realizado em formato digital, com medidas complementares de acesso, não foi capaz de garantir a inserção dos PCTs com observância aos seus direitos e especificidades, tanto por restrições de entrada incompatíveis com os modos de vida de algumas das coletividades, quanto pela dificuldade de acesso à internet e a sinal de telefonia móvel fundamentais para a participação no método definido. Diante disso, foi possível verificar que houve a emergência de posturas contenciosas de coletividades tradicionais, que foram combinadas com repertórios de interação socioestatal, a partir da adoção da política de proximidade junto a atores dos Compromitentes do Acordo Judicial. Constatou-se, também, que houve, por diversos fatores, a abertura de atores institucionais para a absorção das reivindicações realizadas, que atuaram ativamente para endereçá-las. A partir de uma conjunção desses elementos, desdobra-se a proposição, por técnicos do Comitê Gestor Pró-Brumadinho, de uma inovação democrática: a Consulta Popular para Povos e Comunidades Tradicionais (CPPCTs). Neste cenário, entende-se que foi possível reimaginar o processo consultivo anterior, adequando-o às demandas, realidades, direitos (em especial à Consulta Livre, Prévia e Informada) e especificidades dos PCTs, inclusive com a incorporação de etapas adicionais, passando a ser um processo de caráter participativo, deliberativo e de incidência direta das comunidades. Contudo, é necessário ressaltar que, apesar de um grande avanço na garantia de direitos fundamentais dessas comunidades no processo de reparação, a experiência também possui limites estruturais importantes, tendo como pontos centrais a limitação do orçamento disponível para a construção das iniciativas e a restrição de um único projeto de reparação socioeconômica por comunidade. |